terça-feira, 8 de agosto de 2017

Algumas histórias só podem ser contadas depois de um tempo...

Certa vez, se instalou numa pequena garagem em frente a minha casa uma Igreja Evangélica, dessas cujo Deus parece ser surdo. Os cultos eram praticamente diários e triplicavam no fim de semana, e o som insuportavelmente ruim e muito, muito alto. Eles tinham uma banda inteira com bateria, guitarra e tudo.
Inicialmente tentamos nos adaptar à nova vizinhança mas foi realmente impossível. Quem me conhece sabe do meu nível de tolerância e de cuidado para não descambar pelo preconceito, mas, apesar do meu esforço, em poucas semanas, a situação ficou insustentável.
Meu marido, que também é um cara extremamente tranquilo e sociável, tentou, tal como eu tentei, todas as conversas possíveis com o Pastor. Até ameaçou fazer amizade com o dito pra ver se ele baixava o som, mas nenhuma medida diplomática adiantou.
Em seguida, partimos para as medidas legais. Acionamos a prefeitura, que veio medir os decibéis do som e notificou o estabelecimento, orientando-os a baixa-lo, mas isso também não fez nenhum efeito. Enquanto eles buscavam o céu com aquela gritaria, nós vivíamos num inferno.
Foram meses a fio naquele tormento diário e sem solução, até que, certa vez, numa tarde de sábado meu marido perdeu de vez a paciência. Ele tentava mais uma vez dormir, depois de ter passado a noite de plantão trabalhando. Eu estava na cozinha, ouvindo Black Sabath nos fones de ouvido pra não ouvir a pregação em línguas do Pastor, quando ele entrou transtornado, aos gritos:
- Hoje eu resolvo essa porra! Vou sair e vou comprar um revólver!
Imediatamente já imaginei a tragédia inteira, incluindo eu, pelada, agachando 3 vezes na fila da cadeia para visitá-lo aos domingos. Botei meu corpo na frente para impedir que ele saísse daquele jeito e disse:
- Revolver não! Vamos pensar em outra coisa! Mas, revólver não!
Ele então emendou:
- Então eu vou comprar um som. Um som maior e mais potente que o deles.
Eu, mais aliviada aceito a proposta
- Isso! Vai lá! Pode gastar todas as nossas economias, fazer 48 prestações, mas compra o maior som que você encontrar.
Ele, então, sai enfurecido de carro. Eu ainda tinha medo que ele voltasse com uma arma em punho, mas umas 3h depois ele voltou com um som imenso já instalado no carro. Suponho que ele deva ter ameaçado alguém pra conseguir o feito com tamanha rapidez. Eu nem perguntei o preço daquela gerigonça azul que ocupava todo o porta-malas. Sim... azul.
No sábado eram dois cultos, um à tarde e outro à noite, portanto, ainda tivemos a oportunidade de botar em prática nosso plano naquele mesmo dia. Meu marido pediu ao meu filho:
- Marcelinho, me da aí um pen-drive de funk. Mas quero aqueles que falam bastante palavrão.
Olha! Vou dizer pra vocês! Tarantino tem razão: a vingança é mesmo algo muito prazeroso e poderoso. Foi uma noite de sábado maravilhosa em família. As janelas da minha casa pulavam que pareciam que iam estourar. Eu já gostava de funk pra dançar mas, depois daquela noite eu passei a respeitar o proibidão com toda minha alma.
E foi assim que se seguiram as semanas seguintes. Eles ligavam o som de lá e nós ligávamos o de cá. Fizemos isso até que eles entenderam o recado e baixaram o som, então nós suspendemos o nosso.
Meses depois, para nossa alegria, a Igreja se mudou. Soubemos que foi despejada por não pagar o aluguel. Nunca fiquei tão feliz vendo um caminhão de mudança ser enchido.
Lembrei dessa história porque esta semana vendemos o som azul. As lições que tiramos dela foram:
1. A música pode ser tão potente quanto uma arma, e com a vantagem de não infringir a lei e
nem causar uma tragédia.
2. Funk proibidão sim!
Rita Almeida

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