terça-feira, 7 de março de 2017

Consumir: nossa última utilidade



A morte do garoto em frente a uma lanchonete da rede Habib's é de uma brutalidade sem tamanho, ainda que não tenhamos todas condições e provas para dizer que foi um assassinato (eu sempre prefiro frear o ímpeto de julgar e condenar no calor e na pressa da comoção coletiva). Entretanto, a forma de manifestação que escolhemos para lidar com essa tragédia bizarra - propagando o boicote à rede de fast-food - também me causa arrepios.


Não é que tal tipo de engajamento não seja eficaz, ao contrário. E o que me incomoda é exatamente sua eficiência. É que ela nos leva a constatação de que a cidadania que está posta hoje nos limita a condição de consumidores. Em outras palavras, a maneira mais desejável de um cidadão operar na sociedade atual é pela via do consumo, a ponto de transformar as opções: consumir, consumir isso e não aquilo, consumir aqui e não acolá ou não consumir, em formas de engajamento político. Isso, é claro, quando se trata de uma escolha e não de uma impossibilidade, afinal, o sujeito que não pode consumir é exatamente aquele que se encontra marginal nessa mesma sociedade.

Viviane Forrester já dizia há duas décadas atrás que consumir seria nosso último recurso e nossa última utilidade. Ela tinha razão.

Não sei se temos a exata noção da implicação que é tomarmos como modelo esse cidadão-consumidor, mas já notamos seus efeitos. Quando nossa cidadania não se pauta pelo laço que fazemos uns com os outros, mas sim pela ligação que fazemos ou não fazemos com as mercadorias que estão à nossa disposição, não poderíamos ter outro resultado que não uma sociedade individualista e violenta.

No final das contas, João Victor morreu porque não era um consumidor do Habib’s. Aí nós todos que somos consumidores do Habib’s (isso é uma pergunta) imaginamos que o melhor a fazer é simplesmente nos desligarmos do nosso vínculo com o Habib´s ao invés criarmos estratégias políticas que nos vinculem uns com os outros para que, coletivamente, pensemos sobre os Joãos que não podem consumir?

Sei lá! Tá tudo errado!

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