terça-feira, 27 de maio de 2014

Sobre Rita de Cássia e causas impossíveis


No último dia 22 de maio foi dia de Santa Rita de Cássia e também, faz três meses que meu pai se foi. Santa Rita, a Santa das causas impossíveis, me deu o nome, graças a devoção de meus pais, que um dia viveram um amor impossível. Sendo assim, entregaram nas mãos dessa Santa a promessa de que a primeira filha se chamaria Rita de Cássia, caso o amor deles se consumasse no casamento. Graça alcançada, promessa cumprida. E aqui estou eu que sempre carreguei esse nome com muito orgulho. Sou fruto do amor de duas pessoas incríveis, mas também, por ocasião desse enredo, me sinto também de certa forma, uma espécie de patrocinadora deste amor. (E meus amigos psicanalistas vão concordar, esse enredo me economizou muitos anos de análise, rs).

Então cresci indo todos os anos na Matriz de Santa Rita de Cássia, cumprindo essa promessa que tanto me honra e encanta, hábito que mantenho até hoje. Ouvi mil vezes a história da Santa que recebeu um dos espinhos da coroa de Cristo em sua testa.

Mas a história mais bonita sobre essa personagem, que faz parte da minha vida antes mesmo de eu estar neste mundo, eu li há cerca de 6 anos, num livro chamado Rita, A Santa do Impossível de Juan Arias. O livro conta a história da Rita mulher, antes de ser canonizada pela Igreja. O autor é um historiador e não um religioso. Achei o livro por acaso, vasculhando aleatoriamente as prateleiras de uma livraria, como de costume. Rita viveu nos séculos XIV e XV e, numa época em que desavenças entre famílias eram perpetuadas com ódio e vingança.Mas Rita era uma conciliadora, era chamada para resolver com diálogo, o que só se resolveria com sangue e ficou muito conhecida pela sua capacidade de conciliar o irreconciliável. Rita era capaz de fazer laço e reatar ligações onde tudo parecia perdido, daí o seu título: advogada as causas impossíveis.

Então é isso... hoje minha fé se resume no amor, que nada mais é do que aquilo capaz de fazer laço e também aprendi isso com Rita (mais inconscientemente do que conscientemente, certamente). Esse é o Deus no qual acredito: tudo que promove o laço faz deste mundo um mundo melhor...

18 DE MAIO DE 2014, 26 ANOS DE LUTA ANTIMANICOMIAL – ORGULHO DE FAZER PARTE DESSA HISTÓRIA!

Rita de Cássia de A Almeida
Trabalhadora da Rede de Saúde Mental do SUS

Na última semana fiquei muito feliz acompanhando vários eventos e manifestações pelo 18 de maio, Dia Nacional de Luta Antimanicomial, nos municípios aqui da minha região. Também acompanhei através das postagens de inúmeros amigos virtuais das redes sociais, a potência das manifestações que ocorreram por todo o Brasil. Alguns desses amigos eu nunca vi, mas também são meus companheiros de caminhada nessa luta "Por uma Sociedade sem Manicômios" que abracei em 1996.

Queria dizer que tenho muito orgulho de fazer parte desse movimento, que vem, ao longo desses 26 anos, mudando a história de muitas pessoas e muitas famílias, mas que também mudou a minha própria história; foi um divisor de águas na minha vida. Tenho orgulho de fazer parte do SUS que dá certo, que trabalha com compromisso, com desejo, com interesse de estudar e se capacitar, um SUS que constrói laços, fomenta redes, encontros e afetos.

Fala-se muito mal do SUS, na mídia e nas redes sociais, por isso, infelizmente muitos, acreditam que ele só tenha mazelas e defeitos, mas não é verdade, grande parte do SUS faz muita diferença para nossa população e deveríamos nos orgulhar dele. Eu não sei se isso acontece com outros militantes da luta, em outros lugares do país, mas sempre que fazemos eventos públicos com usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental para falarmos dos trabalhos dos CAPS e outros Serviços Substitutivos, muitas pessoas na rua nos abordam e perguntam quem financia o serviço e quando falamos que se trata de um serviço gratuito do SUS as pessoas ficam admiradas. Não imaginam que exista um SUS dessa qualidade, que promove saúde, alegria, arte, cultura, beleza...

Outra coisa da qual me orgulho é de fazer parte de um movimento social e político, um dos maiores que o Brasil já teve (se não estou enganada, só não foi maior do que o do MST) que trava suas lutas e batalhas com muita garra, mas também, com muito afeto e alegria. O estilo de militância inventada pelo Movimento Nacional de Luta Antimanicomial deveria ser estudado, aprendido e vivenciado por outros movimentos políticos e sociais. Duvido de qualquer movimento político, social ou militância que não seja capaz de fazer laço, que não seja capaz de aproximar as pessoas. E, para tal, acredito que duas características são fundamentais: apelo estético e senso de humor. Então, eu preciso dizer que eu nunca vi uma militância mais bonita e alegre que a nossa. Quando vejo gente fazendo militância feia, burra, violenta, que só afasta as pessoas, que só cria mais distâncias e aprisiona, sinto pena. Fico pensando: “e dizem que os loucos estão é do lado de cá...”.

Para finalizar, eu quero parabenizar a todos os usuários, familiares e trabalhadores da Saúde Mental do Brasil, pela sua luta, pelas suas vitórias, pela estrada percorrida e que tenhamos ainda muito desejo, afeto e alegria para travar as lutas que ainda temos pela frente. Eu tenho muito orgulho de caminhar com vocês!!

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Qual é a diferença entre um bom hospital e um bom hotel?

por Rita de Cássia de A Almeida
trabalhadora do SUS

Há quem não saiba diferenciar um bom hospital de um bom hotel. Quando atravessamos os corredores de um belo hospital, de paredes brancas e arquitetura fina, com profissionais devidamente uniformizados, nos sentimos seguros e protegidos, certos de que a boa hotelaria é o reflexo de um bom atendimento, todavia, isso nem sempre é verdade. Obviamente que quase ninguém rejeita conforto, beleza, limpeza e organização, mas será que tais quesitos são matéria prima suficiente para fazer um hospital qualidade?

Neste mês, estive junto a uma amiga em sua saga de aproximadamente três semanas, passando várias vezes pela urgência dos dois hospitais PARTICULARES mais bem avaliados da minha cidade, saga que, por falta de um acolhimento humanizado seguido de equívocos diagnósticos crassos, poderia ter ocasionado um final trágico. Tais hospitais poderiam ser categorizados como excelentes hotéis, um deles, com certeza, receberia cinco estrelas, mas, será que é disso mesmo que precisamos em um bom hospital?

Coincidentemente, a matéria de capa da Revista Época desta semana, intitulada: "Porque a medicina pode levar você à falência", também levanta tal questão. Ter um plano de saúde hoje é uma das maiores aspirações da população, no entanto, a promessa das seguradoras de saúde de que as falhas apresentadas pelo SUS serão sanadas com a aquisição de um plano privado, podem ser apenas uma armadilha, como se vê na reportagem. Sabemos que os planos funcionam muito bem para as consultas médicas de rotina e intervenções de baixa ou média complexidade, mas quando a necessidade é para intervenções de alta complexidade, ou seja, aquelas que realmente vão fazer diferença entre a vida e a morte do paciente, os planos de saúde saem de cena. Sendo assim, a matéria mostra a tragédia de inúmeras famílias ricas que foram à bancarrota financeira por decidirem assumir dívidas que as seguradoras de saúde se recusaram a pagar. Afinal, diante da tarefa impossível de decidir entre a morte do ente querido ou assinar um “cheque em branco” num hospital particular, quem decidirá pela morte? (Infelizmente a matéria não revela que muitas vezes é o SUS, e não as famílias abastadas, que pagam a conta quando o plano de saúde se recusa a pagar. Estimativas mais conservadoras dizem que as seguradoras de saúde devem ao SUS cerca de R$ 2 bilhões por ano. Para se ter uma ideia de 2005 a 2010, último ano sobre o qual há dados disponíveis, o aumento de internações de clientes dos planos em hospitais do SUS foi de nada menos do que 59,7%.)

A matéria segue com uma entrevista com Vijay Govindarajan, consultor especialista influente no mundo dos negócios que se dedicou a estudar o sucesso de nove hospitais particulares na Índia, sua terra natal. Govindarajan critica o modelo hospitalar brasileiro dizendo que ele gasta demais e de maneira pouco inteligente. “Os grandes hospitais parecem hotéis cinco estrelas. Isso não faz diferença no resultado”- afirma. Ou seja, a hotelaria de primeira encarece o custo do hospital para aquilo que não fará a menor diferença no tratamento de fato. Por outro lado, economizar no que não é imprescindível, tanto permitiria que o hospital investisse mais no que realmente importa, tal como, profissionais qualificados e humanização, quanto poderia baratear o custo dos tratamentos, possibilitando que os planos arcassem com um espectro maior de intervenções.

O que vi acompanhando minha amiga na sua via crucis foi exatamente isso: hotelaria nota dez, arquitetura linda, jardim de inverno, TV com canal por assinatura, telefone no quarto, cuidados de enfermagem e serviço de quarto nota mil. Mas, o trágico é que ela poderia não ter sobrevivido à intervenção da porta de emergência do hospital para gozar de toda essa hospitalidade e conforto. E não pensem que ela correu esse risco por falta de exames? Foram muitos. Os mesmos repetidos em todas as vezes que ela entrou na emergência com dores fortíssimas nas costas. Sabemos que tais exames também não são baratos, mas se esqueceram de que é necessário um bom profissional que saiba lê-los, e que, sobretudo saiba utilizá-los para fazer uma boa clínica. E uma boa clínica é aquela que sabe ver a pessoa, e entende que o exame é apenas um método auxiliar para se fazer uma hipótese diagnóstica. Mas o que eu vi foi profissionais que simplesmente não viram a pessoa que ali estava, só buscavam confirmar uma hipótese diagnóstica por meio de um exame e quando não “encontravam nada”, repetiam o exame. Resultado: paga-se muito caro numa clínica ruim, que olha - e possui instrumentos e exames variados para olhar melhor e mais fundo - mas não sabe ver, porque também só ouve, mas não sabe escutar. Este é outro exemplo de como o hospital gasta mal seus recursos. Investe muito em instrumentos que olham e ouvem e pouquíssimo no profissional, o único capaz de ver e escutar.

Enfim, creio que estamos esquecendo que uma boa medicina se faz primeiramente com bons profissionais, já que, hotelaria e tecnologia só servirão caso a primeira prerrogativa for atendida. Por isso, não se enganem com fachada de mármore, jardim na recepção, obras de arte nas paredes, quartos amplos e serviço de quarto de primeira, não é isso que irá salvar sua vida quando você realmente precisar de um hospital. Lembre-se, maquiagem pode servir para melhorar o que já é belo, mas também pode servir para camuflar o que é feio. Então, jamais confunda um bom hospital com um bom hotel!